Às
vezes me dá uma vergonha de viver, uma vergonha da vida. Não da minha vida.
Sim, as vezes da minha também. Uma preguiça e uma covardia em se respirar. Um suspiro demorado que teima no pensar
avergonhado. Às vezes a vida me dá
vexame. Me dá injúria e fúria. Mas isso é o pouco que conheço, ou parte do que
conheço no batimento cardíaco diário. Refratário.
Vejo
os desenhos das vidas. As formas e cores que podem ou não vir acompanhadas de
ventos mornos, frios, tímidos ou como tempestades tropicais. Há o preto e
branco também, somado a algum resultado cinza meio desbotado, e que, por mais
que se passe a borracha será sempre acinzentado. Porque uma coisa é e outra coisa nunca será.
Então por que teimar e queimar os papéis e rascunhos na umidade? Talvez e
necessário encontrar unidade.
Claridade?
Ver as claras. Bater as claras em neves. É bem demorado o processo – digo, o
processo culinário – mas que se dialoga no hmm, bater de asas? No fofo, no
floco em neves, leve. “Passarinho fez um ninho em meio aos espinhos”, dizia a minha
canção de estrofes recém-aportuguesada. Mas há a rima e o refrão, por mais
trouxa e frouxa que pareça. Ou que se faz parecer ou estar (diga-se de
passagem, e as vezes de estadia um pouco demorada). Começar, cantarolar a si mesma.
Ver fotos antigos e dar risada. Porque uma coisa é se lamentar e a outra é se festejar.
Mas
há os abismos cheios de ismos com suas beiradas férteis e tal como beirada, um
pedaço e um espaço. Uma semente. Um respiro. Uma vergonha. Um alívio. Um equilíbrio.
Um chão fino e rente. Uma parede. Um escoramento. Uma selvageria. Um
desmoronamento. Uma duna. Um grão. Um piscar. Um apagão. Nascimento e morte. Gozo
e sorte. Sempre escolhas e oportunidades lancinantes, somos contextos humanos e
acreditamos ser – porque aqui na humanidade inerente não há escolha em não ser.
Tem tudo aquilo que nos é percebido
pelos livros, consciência coletiva, brigas e apertos de mão. Como um script sem
script algum, atemporal, mas que vai acontecer conforme o script, meu grande
irmão. Células e idades e coração não programados para enfrentar o que já foi diagnosticado
na formação anterior ao se pensar “eu”. Porque o que há de ser é o que já
ouvimos falar, pensamos saber, precisamos perder, queremos conhecer. E nunca
vamos saber. Porque e para quê descobrir o mistério e tudo então ficar
infértil?
Imagine
um mundo sem mestres, sem médicos, sem psiquiatras, sem escolas, sem esmolas,
sem dinheiro, sem fome, sem arte, sem marte, sem fábulas? É, temos que nos
foder um pouquinho. O porquê eu não sei.
Ah sim, lembrei, porque necessitamos fantasiar a vida, oras. E
inventamos o contexto humanidade para não enlouquecermos. Será que não seria
melhor desmistificar tudo duma vez e virarmos macacos artistas ingratos?
Somos
números oníricos constantes. Que se
explodem com a possibilidade territorial. As vezes me dá um pouco de buraco e
borda sim, pensar a vida assim.