quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Sujeito da situação




Enquanto o sangue escorria timidamente, a dor se contorcia e aos poucos levava o seu dono à demência. Não dava pra suportar mais. Foram anos de agressão constante. Nem um pingo de carinho para confortá-lo. Que brutalidade. Ele não ia ficar mais quieto, obediente, aceitando tudo e todos. Que dor infernal. O dono tinha que sentir de uma vez a tormenta. E assim foi.
Agora a bunda o arrastava pelo corredor, esfregando a pele junto aos tacos e fiapos de madeira que se soltavam do piso. Um dos fiapos, dos grandes, atravessa uma das pregas ainda resistentes. O sangue deixa um rastro. O grito de dor é sufocado pela ânsia e o vômito é esguichado fazendo o percurso do estreito corredor. A acidez do vômito é sentida imediatamente e o líquido gosmento acompanha a bunda que o carrega dilacerado até o quarto. A porta do quarto estava escancarada e o ambiente fedia a polvilho azedo. O sujeito desfalece próximo a cama. Os lençóis estavam podres e esporreados. Haviam várias garrafas vazias, vermes mortos e recém-nascidos de frutas emboloradas e cinzas espalhadas pelo chão. A janela tinha o vidro quebrado, lembrando uma estrela de sete pontas desiguais. O cheiro azedo de polvilho misturava-se a um bafo úmido de suor a 40ºC. Era um clima agradável para um cu humilhado.
Olhando mais intimamente o desfalecido buraco, percebia-se uma ponta de vidro cravada no meio. Era uma das 7 pontas da janela de vidro quebrada. Alguém deve ter estilhaçado a janela e, o cu, desatento, aceitou tudo.

Viver como miniatura


Longo agouro, curto estouro,
As paredes estão irritadas, 
meu chão inchado
Não reconheço mais 
o que gostaria de pensar 
A convivência é um fardo falho 
e os insetos se multiplicam aos horrores
Enxergo a descrença diariamente e meus ouvidos são maltratados mais do que suportariam maltratar
Penso e regurgito,
A minha crença-doença desconstrói qualquer tentativa de cimento
Rachaduras, rachaduras, meu barro e minha água.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

bicho-menino


O garoto é esperto e apanha
entendendo que dor é apego.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Dia Mundial sem carro



Tenho dirigido mal, andei atropelando várias pessoas, passei de ré por cima do meu amor, estacionei em beco sem saída, virei na contramão sem freio, congestionei minha mente e poluí o coração dele. Estou em ponto morto.


segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Febre 007

Tasquei a língua em sua boca, invadi seu corpo, afundei meu sexo molhado em desespero junto à sua pele, despejei minha saliva azeda em sua orelha, nuca e contornos; rasguei seu seio angustiado, mordendo seu pequeno bico rosado, gritei em gozo sufocado, chorei um amor desapaixonado, senti e sofri a paixão gelada, envidraçada, bebi seu sangue amargo, quente e sujo, fiz de tudo e naufraguei em sua ilha de excrementos resmungando ao nada e perdendo um mundo.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Criaturas


O parto

A dor

O choro


O sangue

O ar

A luz

O sonho


O breve

O eterno

O nexo

O sexo


O passo

A queda

A história


A matéria

A vida

In memorian

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Azulejo quente


Inconformada com ela mesma, ela morreu em branco, no branco, e espalhou sua glória vermelha incompreendida.

O grito nasce junto


Toda dor é adquirida no primeiro golpe de oxigênio. Respiramos e a expiramos intensamente pelas idades e o corpo é constituído de superações mal resolvidas. Pelo grito do bebê, pelo berro do bebê – a dor – nossa maior seqüela.