sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Mulheres de grão




           

       
   A mulher cabeça de cavalo estava tão pequena e branca que contrastava com sua risada colorida e alta, eu não imaginava uma espécie dessa em minha teia de relacionamento. Mas eu adoraria me comunicar relinchando. Afinal, relinchava há tempos comigo mesma. Enfim, ela quis comer um pouco de arroz e soja que estavam sendo preparados para o jantar, e eu bem que tentei avisá-la que não tinha tempero o suficiente... então ela preferiu beber cuba quente com limão. E urrou de prazer, ou de horror, sei lá, eu não soube distinguir aquela resposta azeda. Até que pingou no nariz uma gotinha da bebida  e saiu galopando pelo corredorzinho úmido. Ufa, me safei dum coice, pensei, não que ela não fosse um serzinho amigável. Mas tem o lance da pedigree da pessoa/animal, não duvidei.  Então veio a outra numa gritaria surda, ela era muito mas muuuuito alta.  De olhar penetrante e lascivo. Começou a dançar em frente a uma parede transparente, e eu pensando que ela estava se coçando porque era muito hilária  a forma retorcida e improvisada daquele ser naquele tamanho de corpo. Não sei como ela cabia dentro dela mesma. Às vezes parecia estar toda em um só membro: nas mãos. E a sombra  de suas mãos na parede agora branca delineava o seu universo lúdico de ser sombra. Muito interessante esta mulher, pensei. Pena que sou baixa demais pra tudo aquilo. E era pouco aquilo tudo. Enfim veio a terceira, de óculos ou band-aid, não sei muito bem, não consegui enxergar pois ela parecia escorregar pra dentro  sempre que a encarava. Era uma mulher lisa, seus cabelos também eram lisos como água. Ela foi um dia crespa, ah, eu sei. Toda crespa e parecia ser tão lisa hoje, não digo o cabelo, mas a essência dela lisinha, quase limpinha, éca. Um tanto formal até, formal demais, irritante. Você sabia que ela podia ser só aquilo e estava satisfeita com isso. Acho que ela tragou um ramo de flor próxima a janela e inchou um pouquinho, consegui enxergar um pouco além do seu band-aid, mas ela parecia me xingar sem dó.  Fiquei na minha e escorreguei pra fora. Estranha demais pra hoje. Logo mais veio uma dona de chalê preto ou roxo, cheia de morangos. Sério, ela falava e cuspia morango ao mesmo tempo. Não entendia a fala mas devia ser algo como “me passe o tule branco”, mas eu só tinha uma bolinha de lã amarela. Lembro quando era pequena e me entupiam de morango, era uma cena típica da família: todos paravam pra me ver devorar morangos, até saia lágrima de meus olhos, mas todos estavam se divertindo tanto comigo que eu não conseguia evitar. Os morangos me desafiavam, nos engula, nos destrua! Nem preciso falar, fiquei com o estômago dilatado desde então. Hoje odeio morango.  Deve ser por isso, o enjôo por ela foi imediato. Cuspi fora ela logo em seguida e um pedaço de seu olho de morango ficou pendurado como troféu esquecido. Ufa, uma a menos. Mas quem eu procurava, eu procurava? Cavei bem fundo no sofá velho da sala ao contrário e silhuetas humanas similares a chaveiros saiam aos montes... Então apareceu a Ue + ecov, uma estranguladora de frango, ela cheirava a curral, e tinha merda colada em sua bota. O cheiro ainda era fresco e lento de se dissipar no ar. Ela fedia e era tão natural e limpo o cheiro todo. Sei lá, ela começou com um papo de que sentia fome e então devia matar porque não sabia fazer de outra forma, tentei conversar porém vi que já havia perdido aquela conversa antes de começar. Não compensava o verbo mas era intrigante.  Ela parecia indefinida mesmo com toda aparência caipira de passado. Neste momento fogos de artifício me enlouqueceram, comecei a miar sem fim, não conseguia disfarçar o medo do fogueteiro besta, só podia ser por futebol ou drogas aquela barulheira toda. Sem forças, me enterrei dentro do sofá e pus pra fora de uma vez por todas aquelas mulheres peludas de pelúcia. Ahh sim, e tinha uma outra caída no banheiro ... mas não conseguia pronunciar uma só palavra. Acho que bebeu demais todos os morangos, cavalos, band-aid e sombras que eu ia tirando do sofá.



**foto por Karol Zone
*textin nada a ver mas tudo inside em homenagem a despedida da little horse grrl Karol Zen. Amo!

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