Então fui embora. Disse adeus, um beijinho aqui e ali, um
respiro aliviado e internamente demorado por poder inspirar um pouco de
realidade, conjugal que seja.
Minha poltrona era a 30, sim, estava voltando num bate-volta
frenético para minha cidade berçário. Fiz 31 há 4 dias, mas me deram a 30.
Tinha a 24 ou a 27 mas essas aí não quis não, muito complicada essa fase, por
ora, poltronas. Eu sempre gostei de ficar na janelinha, assim como suponho, a
maioria. Mas estava no corredor. O moço chegou, o da janelinha. Levantei, ele
sentou. Magricela, um narigão, branquelo e olhos arregalados. Eu estava despenteada, como sempre, porque sou uma
alma despenteada. Meus olhos estavam meio manchados pelo lápis preto e meu
batom vermelho estava mais para o rosa, porque havia me despedido em bochechas
e bocas minutos antes. É sempre chato ficar em elevador e em poltronas com
desconhecidos. Acho que elevador é até mais legal porque passa rápido, o
constrangimento evapora conforme os andares vão nos aliviando. Enfim, o moço
narigudo começou a puxar papo- e, ai!- tinha bafo de tabaco. Sinceramente
detesto este odor labial. Disse que havia acabado de chegar da Itália e estava
indo a um congresso sobre educação numa cidade próxima a minha. Não dei muita
bola. Mas ele insistia.
Falou que voltava de férias de lá, era italiano(mas nem dava
para perceber sotaque algum-só quando perguntei se ele falou que era italiano
mesmo que realmente começou a falar um pouco diferente-mas bem pouco), e foi matar saudades ou sei lá o que com parentes e
amigos da terra. Tinha acabado de se mudar definitivamente para o Brasil – no caso São Paulo, no começo do ano.
Mas vivia por aqui há uns par de tempo. Fazia pesquisas antropológicas com
índios do Pará desde 1999. Ele aparentava ser novo. Uns 30, no máximo, talvez
até 27. Fazendo a contagem...2012-1999= 13 anos de abrasileiramento. Sei não,
devia ter começado nisso bem novinho, talvez fosse um indiozinho se achando
italianinho. Eu que desconfio e acredito em tudo, só escutava.
Então chegou a minha vez, ele perguntou o que eu fazia e
blábláblá, e eu que não tenho muito o que inventar porque minha vida já é uma
fantasia completa, fui comentando sobre um show estonteante que acabava de
ver-sentir. Ele não entendeu muito. Expliquei alguns conceitos musicais “alternativos”(ai,
odeio essa palavra), parece que gostou. Falei que gostava da parte
visual-fotográfica e quero trampar com
isso ainda concretamente. Pelo o que ele contou – ou inventou- vai saber, né- é
professor de antropologia numa pós duma universidade renomada. Ok. Também falei
algo sobre p(r)ós e contras. Porque sou muito do contra, mas ainda faço uma pós de
mim (não entendam como egotrip, é só uma descontraidinha).
Perguntou se eu trabalhava, disse que sim, porque realmente
trabalho. E o local que trabalho possui certa “utilidade” universal, todo país
tem um troço desse pra cada setor “organizado”(ou não-na maioria das vezes). Quando falei isso seus olhos negros enormes arregalaram,
pareciam que iam saltar, e então, ou ele inventou na hora ou era verdade: o emblema – uma legenda, estava estampado numa jaqueta
vermelha horrorosa que ele usava, tipo de universitários da Harvard – sei lá, porque
cargas d´agua Harvard. E isso parece que o aproximou mais de mim, tipo, nossa,
somos íntimos! Santo! Nessa hora, eu tentava, em vão, espiar por alguma
poltrona vazia, mas o busão estava detonado de tanta gente. Nenhuminha, azar. Mas
vamos lá.
As pessoas roncavam há esta altura, e muitos quilômetros
atrás. Mas a viagem até que corria normal, não tinha mais o que conversar- ufa!
- e eu “pego ar” fácil ao ter que estender o papo, porque, como já disse, não
consigo me inventar tanto. Mas bem que devia
ter falado que fazia muay thai, tive ficha criminal, e que sou meio explosiva e nervosa e não sou boa companhia para um simples ou médio trajeto de ônibus. Tá bom, agora inventei um pouco. Toda irrealidade
é a (im) pressão que temos pelo comportamento-contato-tato às vezes de difícil domínio-convívio. Blá, tá, é
verdade.
Bom, eu realmente tomei um remedinho pra viajar mais tranqüila
e capotar logo pro narigudinho não mais querer saber-de-onde-pra-onde-se-fui-ou-se-vou.
Antes, só notei que ele parecia
dormir...até uns ronquinhos escutei(embora houvesse uma orquestra ao redor).
Dormi com a cabeça pendida para o corredor escuro, já que a
janela não me pertencia. Acho que estava na fase REM profunda, tudo muito
enuviado-sonhos flutuantes, quando sinto minhas pernas sendo levemente acariciadas,
que sensação estranha e, porque não gostosa... esse sonho... mas então um apertão me acordou.
Puta merda, que italianinho-brasileirinho safado( embora parecesse israelense, nada contra, mas...sei lá, deixa
pra lá).
É, a gente nunca sabe
qual vai ser a reação numas situações toscas como estas... eu me afastei o quanto
pude pra poltrona que saltava-implorava pelo corredor, e olha que já estava
pendida o suficiente. Ele nem tchun, fingiu que não era com ele e até virou de
frente pra “minha” janelinha. Realmente devia ter dado algum golpe
“muaytesco”neste fingidor-roncador-antropólogo-ítalo-duma-figa!
E eu fico aqui
pensando -resmungando, o que será que ele vai ensinar, aprender ou assistir
nesse congresso de educação? Vá pra pós
que te pariu, viu!